Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade

Apenas numa sociedade normatizada e dominada pela disciplina “transgredir” se torna sinônimo de liberdade. E assim como tudo na vida, a educação tem que ser libertadora; tem que ensinar como se livrar das amarras do patriarcado, do sexismo, do racismo, das diferenças de classe e de gênero. Em suma, tem que ensinar a transgredir. Isso é o que apresenta bell hooks nessa obra que fala abertamente sobre ensino, mas não só isso. Diversos temas contemporâneos e muito pouco explorados na sala de aula são expostos pela autora como estratégias para manter a aula um ambiente acolhedor e atualizado. 

Um desses exemplos explorados já nos últimos capítulos do livro diz respeito aos afetos. Ao invés de camuflados por uma capa de racionalidade que caracteriza o intelectualismo acadêmico e pedagógico, hooks defende a expressão de sentimentos no ambiente de ensino. Ao invés de ameaçadores, os sentimentos proporcionam a saudável aliança entre mente e corpo. Nesse sentido, a ausência do “corpo” na sala de aula desaparece e a importância desse aparecimento corporificado é a compreensão de que, assim como os corpos, as realidades são múltiplas. 

Ensinando a transgredir com sua pedagogia da subversão lembra que a educação deve significar um processo de escuta, onde o contato entre professores/as e alunos/as ocorra fora do espaço-tempo da sala de aula. Também observa a necessidade de um aprendizado que seja crítico, questionador, subversivo. Por isso, a trajetória acadêmica da autora através dos Estudos da Mulher e dos estudos feministas aparece em toda a sua potencialidade transgressora. 

Oferecendo ensaios que combinam (boas) práticas pedagógicas com experiências pessoais, hooks consegue passar a ideia do que seja uma educação libertadora de forma clara, objetiva e que ao mesmo tempo afeta. Atualizando os sentidos de “transgredir”, a autora apresenta uma urgência pedagógica que não pode mais ser negligenciada: a de que a troca entre corpo docente e discente não pode mais ser postergada ou evitada diante do receio de ameaça à autoridade. Em relação a esse tema, em um dos capítulos bell hooks estabelece uma conversa bastante interessante com outro professor, Ron Scapp, adepto de uma pedagogia libertadora. 

Nesse diálogo, ambos observam os contras de uma proposta baseada no pensamento crítico que vão desde as próprias incertezas das habilidades pedagógicas até as desconfianças dos colegas que advogam pelo ensino clássico pautado na autoridade e na fixidez dos assuntos trabalhados em sala de aula. O engessamento de corpos e de mentes contra o qual lutam os defensores de práticas libertadoras deixa transparecer que mesmo uma ‘aula divertida’ significa mais demérito do que motivo de celebração. Como bem coloca Ron Scapp, aos olhos de seus colegas, representa que a aula não está sendo levada a sério. “Para provar a seriedade acadêmica do professor, os alunos devem estar semimortos, silenciosos, adormecidos”. 

 O ensino tradicional, estático, autoritário, patriarcal é doloroso e precisa ser. Questionar e criticar essa prática é a própria feminilização do processo que por isso exige transgressão, como bem ensina hooks em Ensinando a transgredir. 



Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade 
bell hooks 
Editora WMF Martins fontes 
2017 
273 páginas 
Tradução: Marcelo Brandão Cipolla




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